18 dezembro 2007

NÃO POSSO E NÃO DEVO ME CALAR


Folha de São Paulo - TENDÊNCIAS /DEBATES
"Recebi por email, enviado pelo próprio Paulo César, o artigo publicado ontem na Folha de São Paulo, escrito pelo autor do livro Roberto Carlos em Detalhes. Uso da liberdade para publicar o artigo na íntegra e assim reforçar meu apoio total e irrestrito ao jornalista mais injustiçado depois do fim da ditadura". Josué Ribeiro
Por PAULO CÉSAR DE ARAÚJO
FOI UM "erro de digitação". Essa foi a resposta que o advogado de Roberto Carlos forneceu à Folha ao ser indagado sobre a denúncia de adulteração do conteúdo do livro "Roberto Carlos em Detalhes" na queixa-crime que seu escritório enviou à Justiça contra mim.
Recapitulando: no livro, digo que na jovem guarda havia uma "combinação de sexo, garotas e playboys". Pois na página 16 da queixa-crime essa frase é citada com a troca da palavra "garotas" por "drogas" e, em seguida, os advogados escreveram: "(...) e por aí vai o querelante, misturando sexo grupal com homicídio, consumo de drogas com corrupção de menores e bestialismo".
Ressalte-se que não apenas naquele documento como também em entrevistas o advogado Marco Antônio Campos tem atribuído ao livro frases que não escrevi. À revista "Aplauso", por exemplo, ele afirmou que no livro está dito que Roberto "era assíduo freqüentador da cobertura de Carlos Imperial, onde as festinhas eram regadas a todos os tipos de drogas", e que, "uma vez, uma menor foi estuprada e morta numa dessas festas".
Ocorre que o livro não fala em drogas ou homicídios na casa de Imperial e muito menos associa Roberto Carlos a isso. Narra, sim, um escândalo que abalou a jovem guarda em 1966, com Imperial e outros artistas acusados de se envolver com garotas menores. No texto, enfatizo que aquilo não atingiu Roberto Carlos. Qualquer um pode confirmar isso no livro, do fim da página 306 até a página 311. Basta ler!
É lamentável que Roberto Carlos tenha entrado na Justiça sem ao menos ter lido a sua biografia. "Fizemos um resumo para ele", confessa Campos. Se o resumo que o advogado fez ao cantor foi o mesmo que está na queixa-crime e propaga em entrevistas, está finalmente explicado por que Roberto Carlos ficou tão furioso com um livro que engrandece a sua vida e a sua arte. E agora também finalmente sabemos a que ele estava se referindo quando, na primeira manifestação contra o livro, disse em entrevista coletiva que nele haveria "coisas não verdadeiras". Ou seja, diante de toda a imprensa brasileira, um dos maiores artistas do país desqualifica o trabalho de um profissional apenas baseado num resumo adulterado que lhe foi fornecido por colaboradores.
Campos fala agora em "erro de digitação". Roberto Carlos, assim como o presidente Lula, provavelmente vai dizer que nada sabia. E, aí, estamos conversados? Não, não estamos. Como bem afirmou Paulo Coelho meses atrás em artigo aqui mesmo na Folha, o que está em jogo nessa polêmica não é apenas o meu livro, não é apenas o meu caso. É a liberdade de expressão no Brasil, direito adquirido depois de longa luta contra a ditadura. Porque, se valer para outras figuras públicas o que está valendo para Roberto Carlos, ninguém mais poderá escrever a história deste país.
Várias personalidades que já leram "Roberto Carlos em Detalhes", como Caetano Veloso, Nelson Motta e Ruy Castro, declararam que se trata de um livro carinhoso e positivo para o cantor. Em recente entrevista à "Veja", o renomado jurista Saulo Ramos afirmou que o livro "é uma biografia perfeita. Não tem um ataque moral contra o Roberto. Ele me consultou e eu o aconselhei a não tomar nenhuma providência. Recusei a causa, e ele procurou outros advogados".
Será que todas essas pessoas estão erradas e apenas os advogados que o cantor procurou estão certos? É óbvio que esses advogados estão fazendo o papel deles, mas daí a tergiversar no processo, adulterar o conteúdo da obra para induzir a Justiça a erro vai uma grande diferença. E, diante disso, não posso e não devo me calar.
Pois foi baseado no conteúdo dessa queixa-crime que o juiz Tércio Pires, do Fórum Criminal da Barra Funda (SP), julgou que o livro cometia grande ofensa à honra de Roberto Carlos. Acreditando nisso, por duas vezes esse juiz ameaçou mandar fechar a editora Planeta durante aquela fatídica audiência, em 27 de abril. Sentindo-se coagida, a editora decidiu aceitar o acordo, me deixando abandonado. Resultado: o livro foi proibido, 10.700 exemplares do estoque foram apreendidos, e outros tantos, recolhidos das livrarias e entregues a Roberto Carlos para serem destruídos. É uma violência cultural sem precedentes em países sob vigência do Estado democrático de Direito.
Para o cantor, esse imbróglio trouxe desgaste de imagem e nenhum sentido prático, pois o conteúdo do livro está na internet. Além disso, o tempo ficou cada vez menor e até agora ele não conseguiu aprontar um novo álbum ou lançar uma ou duas novas músicas - fato que não acontecia desde que gravou seu primeiro disco, há 48 anos! Portanto, 2007 ficará marcado na história de Roberto Carlos como o ano em que ele não lançou nenhum novo CD, mas, ao contrário, tirou de circulação a sua biografia.

PAULO CESAR DE ARAÚJO é historiador e jornalista, autor de "Roberto Carlos em Detalhes" e “Eu Não Sou Cachorro, Não – música popular cafona e ditadura militar”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caros Josué e Paulo César (caso esse venha a ler esse comentário)...
É muito triste tomar conhecimento que manobras deste tipo ainda acontecem no Brasil. Principalmente depois de nos iludirmos acreditando que esse tipo de censura fosse apenas coisa do passado obscuro do nosso País. Como ficou claro, estamos muito enganados. O pior é ficar com essa sensação de que nada será feito para mudar esse julgamento ridiculo. O Brasil continua pertencendo à sua elite ignorante e analfabeta, com a colaboração de uma classe desqualificada de puxa-sacos e comedores das migalhas que caem da farta mesa dessa burguesia inculta. E nosso judiciário (com minúsculo mesmo) mais que nunca corrupto, ignorante, mal informado, parcimonioso e julgando em causa própria. Agora sob a falsa capa da democracia e do estado de direito, coisas que nunca atingem plenitude no Brasil. Gostaria de perder essa sensação de derrotismo, mas desconfio que nada vai acontecer com esse juiz, com o advogado e, claro, com Roberto Carlos. E nem que essa sentença injusta seja revista e revertida. Muito cara de pau esse advogado. Erro de digitação é quando se troca uma letra por outra localizada próximo no teclado. Trocar a palavra 'garotas' por 'drogas' não é se enquadra nesse caso. Não é erro de digitação. É má fé, que se fosse cometida num país sério, resultaria na prisão do responsável. Mas no Brasil do jeitinho, vai é conseguir mais clientes para o dito cujo, que ficará com a fama de 'fazer qualquer negócio necessário para ganhar a causa'. Quer coisa melhor para a elite brasileira e sua justiça de dois pesos e duas medidas?
Tomara que eu esteja errado e que o Paulo César consiga uma vitória para todo o povo brasileiro. Mas, do jeito que as coisas são nesse pedaço de terra ao Sul do Equador, acho que estou torcendo para jacaré em filme de Tarzan.
Um abraço...
Donni Araujo

Anônimo disse...

Oi Josue. Forças pro Paulo César, afinal a biografia é genial, porque ele fez algo verdadeiro e de fã. Ele não se aproveitou do RC, mas sim o cantor se aproveitou de uma biografia muito bem escrita e feita. No mais Josue, teu blog continua excelente ! Abraço !
Matheus Trunk
zingu@bol.com.br
www.revistazingu.blogspot.com

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